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quinta-feira, 17 de março de 2011

  Cidadania com Caridade
Sem um princípio religioso, como acontece ao viajor que anda tateando pelo caminho, a Humanidade tem se aproximado do caminho ideal, desenvolvendo idéias que lembram algo do Evangelho.
Tal, por exemplo, é o conceito de cidadania, bastante divulgado hoje nas sociedades civilizadas.
Cidadão é o indivíduo consciente de seus direitos e de seus deveres perante a sociedade. A consciência de cidadania, quando exercitada pela população, melhora o relacionamento e o bem-estar social.
Deveres elementares:
Não furar a fila do cinema…
Não jogar lixo na via pública...
Não sonegar impostos.
Não elevar o som do rádio, perturbando o sossego alheio.
Direitos básicos:
Saber como funcionam e como recorrer aos órgãos de Defesa do Consumidor, às associações de classe, às associações de moradores, à assistência judicial, médica, psicológica...

A cidadania é, sem dúvida, um progresso no relacionamento social. Mas parece que falta algo. Não basta ter consciência dos direitos e deveres, porque, se mal orientada, a cidadania pode originar uma exaltação do egoísmo, gerando problemas entre indivíduos e coletividades.
É preciso usar de caridade.
Num casamento que vai mal, os cônjuges têm o direito de providenciar uma separação, dispostos a assumir seus deveres no cuidado dos filhos, dividindo atribuições. Não obstante, haverá problemas. Um lar que se dissolve é sempre traumatizante para os filhos. Não seria interessante tentar superar as diferenças, visando o bem-estar das crianças?
Um motorista desastrado entra na traseira de um automóvel, quebrando o pára-choque e as lanternas. O proprietário pensa em recorrer à Justiça e exigir o ressarcimento das despesas de conserto, mas constata que se trata de pessoa pobre. Embora seu carro possa ser arrestado numa pendência judicial, não seria melhor relevar, considerando que o surrado veículo é o seu instrumento de trabalho e que ele, literalmente, não tem onde cair morto?
A Europa, onde o conceito de cidadania está bastante desenvolvido, vive hoje sérios problemas de xenofobia, a rejeição de imigrantes, sob a alegação de que conturbam o relacionamento social e inflacionam a oferta, no mercado de trabalho, gerando desemprego. Conflitos violentos surgem por isso. Não seria melhor usar da caridade, considerando que os imigrantes precisam de ajuda?
No Oriente Médio vemos a exacerbação de ódios raciais de povos – o judeu e o árabe – que defendem seus direitos até as últimas conseqüências, partindo para uma guerra, sem considerar os estragos que estão produzindo, o sofrimento para seus próprios irmãos. Não seria interessante uma pitada de caridade, cada lado pensando nas carências e necessidades do outro, buscando sentarem-se à mesa de negociações, ao invés de se agredirem?
O mesmo acontece no Iraque, onde sunitas e xiitas, galhos de uma mesma árvore, o Islamismo, empenham-se em furiosos combates para defender seus direitos, em nome de Alá. Se exercitassem a caridade, tudo seria mais fácil.
Não basta reivindicar direitos e exaltar deveres. É preciso um componente aí – a caridade, o pensar no outro, sem o que jamais haverá paz na sociedade humana.
Nos Estados Unidos, onde o conceito de cidadania está largamente difundido, exaltando-se a consciência de direitos e deveres, a sociedade está organizada em torno de sindicatos, associações de moradores, organizações não governamentais, fundações, que ressaltam a consciência de direitos e deveres.
Comentava um confrade que nos condomínios residenciais, as associações de moradores defendem os direitos dos proprietários e ao mesmo tempo cobram por seus deveres. As casas por fora são muito bem cuidadas, ajardinadas, pintura impecável. Se houver descuido haverá pesadas multas.
Curiosamente, onde a cidadania está mais difundida é onde são mais numerosas as ações judiciais. Não é novidade nenhuma que nos Estados Unidos os serviços médicos e odontológicos são caríssimos, porque os profissionais de saúde são obrigados a fazer seguros dispendiosos para atender a ações indenizatórias que contra eles são movidos, por pacientes não satisfeitos com o atendimento ou que se sentem prejudicados em relação a algum procedimento cirúrgico.
Há tamanho emaranhado de reivindicações e interesses de advogados, que decisões bizarras acabam acontecendo na exaltação dos direitos do cidadão.
Por ter se queimado com uma xícara de café quente derramada em seu colo, a cliente processou uma rede de comida rápida. Recebeu três milhões de dólares de indenização. Detalhe: ela própria, descuidada, derramara o café.
Uma senhora recebeu setecentos e oitenta mil dólares de indenização de uma loja de móveis por ter tropeçado numa criança que corria solta pela loja. Na queda quebrou o tornozelo. Detalhe: a criança era filha da cliente.
Um homem ficou preso na garagem de uma casa, cujos moradores viajaram. Durante oito dias alimentou-se de ração para cachorros e refrigerantes ali armazenados. Foi à justiça e recebeu do proprietário uma indenização de quinhentos mil dólares, sob a alegação de que a situação lhe causara profunda angústia mental. Detalhe: era um assaltante desastrado que entrou na garagem por dentro da casa e não conseguiu sair porque o portão estava travado e a porta de acesso, com mola hidráulica, fechou quando ele passou.
Um ancião foi indenizado em quatorze mil e quinhentos dólares, mais despesas médicas, depois de ter sido mordido pelo cachorro do vizinho. Detalhe: o cachorro estava preso numa coleira e só reagiu quando o cidadão pulou a cerca e atirou contra ele usando uma espingarda de chumbo.
Um restaurante foi condenado a pagar cento e treze mil e quinhentos dólares a uma cliente que escorregou no piso molhado e quebrou o cóccix. Detalhe: ela própria molhara o chão ao atirar um copo de refrigerante no namorado, durante uma discussão.
Uma jovem processou o proprietário de uma casa noturna, por ter caído no banheiro e quebrado dois dentes da frente. Recebeu doze mil dólares, mais despesas dentárias. Detalhe: ela estava tentando fugir pela janela, para não pagar a conta.
O exacerbamento dos direitos individuais, na exaltação da cidadania, acaba gerando problemas dessa natureza que conturbam o relacionamento social. Não basta cogitar de direitos pessoais ou respeitar direitos alheios. Entre um e outro, é fundamental a introdução da caridade para que, pensando no outro, não minimizemos nossos deveres, nem maximizemos nossos direitos. Pensando assim, entendemos por que Jesus dizia, no sermão da Montanha (Mateus, 5:38-42):
"Ouvistes que foi dito aos antigos: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau. Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. E se alguém quiser demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil. Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes."
À primeira vista, parecerá absurdo um comportamento dessa natureza, passível de nos causar prejuízos. Mas tudo muda de figura se aplicarmos a caridade nessas situações, o pensar no outro, nas suas necessidades e limitações, com o que nos livraremos dos males maiores, relacionados com o ódio, o ressentimento, o rancor...
Na ótica do egoísmo, não fazer acordo algum é melhor do que um acordo insatisfatório.
Na ótica da caridade, um acordo insatisfatório é sempre melhor do que nenhum acordo.
Richard Simonetti
Fonte: Revista "Reformador"

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