ALLAN KARDEC
NASCIMENTO
No dia 3 de outubro de 1804, às dezenove horas, na casa do magistrado Jean-Baptiste-Antoine Rivail localizada na cidade de Lyon à Rua Sala, 76, na França, sua esposa Jeanne Louise Duhamel dava à luz uma criança do sexo masculino. Era Denizard-Hippolyte-Léon Rivail.
O NOME CIVIL
De pais católicos, o menino foi batizado na igreja de Saint Denis De La Croix Rousse, aos 15 de junho de 1805. Devemos fazer uma observação quanto ao seu nome: encontramos seu nome civil, segundo alguns autores categorizados, assim:
Revista Espírita, maio de 1869, Biografia do Sr. Allan Kardec, Léon - Hippolithe - Denizart Rivail.
Camille Flammarion no seu 'Discours prononcé sur la tombe d'Allan Kardec', Léon - Hippolyte - Denizart Rivail.
Léon Denis no 'Prefácio' da 4a edição da obra de Henri Sausse, 'Remarquons que mon nom est enchâssé dans celui d'Allan Kardec qui s'appelait en réalité', Hippolyte, Léon, Denizard Rivail.
J. - M. Quérard, 'La France Littéraire ou Dictionnaire Bibliographique', pág. 58, Rivail (H. L. D.), pág. 456, Rivail Hippolyte - Léon Denizart.
G. Vaperreau, 'Dictionnaire Universal des Contemporains', Hippolyte - Léon - Denizard Rivail.
André Moreil no livro 'Vida e Obra de Allan Kardec', Denizard Hippolyte Léon Rivail ou abreviado D. H. L. Rivail.
E, ainda, outros autores escreveram o nome Rivail segundo entendimento próprio de cada um.
Muitos se perguntarão, qual é o correto?
Evidentemente, o que consta na certidão de
nascimento, ou seja, Denizard Hippolyte León Rivail, embora Hippolyte
Léon Denizard Rivail, possa também ser usado, já que era assim que ele
assinava suas obras literárias.
FORMAÇÃO ESCOLAR E O INSTITUTO DE YVERDUN
Desde pequeno o menino Rivail revelou-se
bastante inteligente e sagaz observador, sempre compenetrado de seus
deveres e responsabilidades, denotando franca inclinação para as
ciências e para os assuntos filosóficos. Seus primeiros estudos foram
realizados em Lyon, sua cidade natal. Mais tarde, com a idade de 10 para
11 anos, Rivail foi enviado para Yverdun, na Suíça, para completar e
enriquecer sua bagagem escolar.
O Instituto de Yverdun, que funcionava no
castelo construído em 1135 pelo duque de Zähringen, era freqüentado
todos os anos por grande números de estrangeiros, pois era tido como a
escola modelo da Europa; era dirigido pelo professor-filantropo de
nacionalidade suíça Johann Heinrich Pestalozzi, cujo apostolado
pedagógico era bastante conhecido, o que lhe conferiu o cognome de 'O Educador da Humanidade'.
Línguas, raças, crenças, culturas e hábitos
diferentes ali se misturavam, aprendendo as crianças e os jovens, na
vivência escolar, a lição da fraternidade, da igualdade e da liberdade.
Pestalozzi pregava que o amor é o eterno
fundamento da educação. Em seu Instituto não havia castigos ou
recompensas. O ensino era heurístico: aquele em que o aluno é conduzido a
descobrir por si mesmo, tanto quanto possível por seu esforço pessoal,
as coisas que estão ao alcance de sua inteligência.
A história, a literatura, todos os ramos
dos conhecimentos humanos eram ensinados em Yverdun, dentre os quais
descrevemos alguns: NOÇÕES GERAIS, PORÉM EXATAS, DE MINERALOGIA,
BOTÂNICA, ZOOLOGIA E ANATOMIA COMPARADA; UM CURSO ABREVIADO DE HISTÓRIA
NATURAL; ELEMENTOS DE FISIOLOGIA E PSICOLOGIA; LIÇÕES DE FÍSICA
EXPERIMENTAL E DE QUÍMICA; ESTUDO DE LINGUAS MORTAS OU ANTIGAS
(principalmente o grego e o latim); LÍNGUAS ATUAIS DA ÉPOCA (italiana,
inglesa, francesa, alemã e outras); ESTUDO GERAL DE MATEMÁTICA (dividido
em quatro seções: CÁLCULO TEÓRICO E PRÁTICO, e ARITIMÉTICA SUPERIOR;
ÁLGEBRA, OU ARITIMÉTICA LITERAL E UNIVERSAL; GEOMETRIA; MECÂNICA, COM
NOÇÕES DE ASTRONOMIA E GEOGRAFIA MATEMÁTICA.
Vale a pena saber que o Instituto de
Yverdun possuía em média 150 alunos que se obrigavam a uma carga horária
diária de 10 horas. Aos domingos, numa assembléia geral, passava-se em
revista o trabalho da semana. Pestalozzi dava também bastante
importância ao canto: cantava-se nos intervalos das lições, nos recreios
e nos passeios. A música e o canto adquiriram ali grande impulso entre
1816 e 1817 com o notável compositor suíço Xaver Schnyder von Wartensee.
Pestalozzi foi um tipo de cristão sempre
zeloso, mas eqüidistante do misticismo, dos preconceitos e das paixões
religiosas, apesar de pertencer à Igreja reformada.
Acredita-se que Pestalozzi tivesse alguma
noção da vida após a morte, pois numa carta que escreveu à sua amiga
condessa Franziska Romana von Hallwyl, que procurara consolá-lo da
dolorosa perda de um professor, o pedagogo lhe disse, confiante: 'Vossa fidelidade e vossa amizade a seguirão no outro mundo, nós a reencontraremos e juntos nos rejubilaremos com alegria.'
O ALUNO RIVAIL
Assim, depois de algumas informações sobre o
ambiente em que Rivail estudou e se educou, voltamos a falar sobre a
sua pessoa ainda como jovem escolar lionês.
Dotado da avidez de saber e de agudo
espírito observador, adquiriu ele desde cedo o hábito da investigação .
Contam alguns biógrafos que, quando estudava Botânica, Denizard se
interessava tanto que passava um dia inteiro nas montanhas próximas a
Yverdun, com sacolas às costas, à procura de espécimes para o seu
herbário.
Aos quinze anos, Rivail já conhecia as
divergências religiosas observadas no próprio corpo docente, com alunos
católicos romanos e ortodoxos, bem como protestantes de diferentes
seitas, a se desentenderem sobre a interpretação dos textos
escriturísticos, sobre a validade dos dogmas e de outras questões,
embora, no fundo, todos formassem uma família unida pelos laços de
amizade que sadio companheirismo gerara. Tudo isso levou Denizard a
conceber, já naquela idade, a idéia de uma reforma religiosa, com o
propósito de conseguir a unificação das crenças.
DE YVERDUN A PARIS
Embora não se possa afirmar, presume-se que
Rivail tenha permanecido no Instituto de Yverdun até 1822, talvez
desempenhando a função de submestre, senão, mestre, mesmo, seguindo
depois para Paris - à Rua Harpa, 117, um dos principais eixos da vida
universitária parisiense, onde ficava situado o Liceu Saint-Louis
(antigo 'Collège d'Harcourt'), estabelecimento escolar respeitado da
Universidade. Lá, Denizard encontraria excelentes oportunidades para
continuar suas atividades educacionais.
RIVAIL E AMÉLIE BOUDET
Vivendo em Paris, no mundo das letras e do
ensino, Rivail conheceu a Srta. Amélie Boudet. De estatura baixa, bem
proporcionada, de olhos pardos e serenos, gentil e graciosa, vivaz nos
gestos e na palavra, denunciando penetração de espírito, Amélie nasceu
em Thiais, comuna do departamento parisiense de Val-de-Marne, a 23 de
novembro de 1795. Filha única de Julien-Louis Boudet, proprietário e
tabelião, homem portanto bem colocado na vida, e de Julie-Louise
Seigneat de Lacombe, recebeu na pia batismal o nome de Amélie-Gabrielle
Boudet.
Após cursar a escola primária, a jovem
estabeleceu-se em Paris com a família, ingressando numa Escola Normal,
de onde saiu diplomada professora de 1ª classe. Alguns documentos
revelam que a Senhorita Amélie também fora professora de Letras e
Belas-Artes. Culta e inteligente, chegou a dar à luz três obras, assim
nomeadas: 'Contos Primaveris', 1825; 'Noções de Desenho', 1826; 'O
Essencial em Belas-Artes', 1828.
Em 6 de fevereiro de 1832, Denizard e
Amélie firmam o contrato de casamento. Agora viveriam juntos sobre o
mesmo teto até que a morte os separasse.
O POLIGLOTA
Rivail possuía uma instrução extensa e
variada, conhecia também outros idiomas: o Alemão - sua língua adotiva; o
Inglês, Holandês, como também eram robustos seus conhecimentos do
Latim, do Grego, do Gaulês e de algumas línguas latinas nas quais se
exprimia corretamente.
RIVAIL TERIA SIDO MÉDICO?
Apesar de alguns biógrafos dizerem que
Rivail teria sido médico, podemos dizer que houve um mau entendido;
analisemos o que escreveu André Moreil, biógrafo de Allan Kardec no
livro 'Vida e Obra de Allan Kardec', 1977, Editora EDICEL, página 23:
'... fez (Rivail) estudos médicos como
os primeiros Pestalozzi originários de Lyon e colheu em seus estudos
sobre a eletricidade provas da existência Espírita.'
Porém, em outro capítulo Moreil fala de outra maneira. Vejamos o que se lê na página 32:
'Consta que teria estudado medicina e
até mesmo sustentado tese, aliás com muito brilho. Para nós subsiste a
dúvida. É certo que o jovem Rivail tinha boa cultura humanista, e grande
desejo de aprender. Interessava-se pelas 'humanidades', como pelas
'ciências': entre estas, a Física, a Química e a Geologia; a Biologia
também, com certeza. Mas isso não autoriza dizer que estudou Medicina
nem defendeu tese. É possível que, de volta de Yverdun, o jovem lionês
tivesse freqüentado a Faculdade de Medicina da sua cidade natal ([1]).
Parece, todavia, que o estudo dessa disciplina não lhe suscitou
entusiasmo, pois nunca se referiu a ela em seus escritos. Apenas uma
vez, ao tratar do magnetismo animal, declarou que o estudo da Medicina o
interessara, trinta anos antes, o que corresponde ao seu período
estudantil.'
Assim, faz-se necessário desfazer essa
confusão, já que Rivail se referiu ao Magnetismo e não à Medicina
convencional. Em artigo da 'Revista Espírita' de junho de 1858 intitulado 'Os Banquetes Magnéticos' lê-se esta frase escrita por Kardec: 'Em nossa opinião a ciência magnética, que professamos há 35 anos...'.
Podemos observar com isso que Kardec não
escreveu estudo de medicina e, sim, ciência magnética, que professara
havia 35 anos (e não 30, como quer Moreil). Poderíamos ainda descrever
trechos de outros biógrafos; chegaríamos, porém, à mesma conclusão: que
Kardec jamais foi médico.
RIVAIL E A MAÇONARIA
É necessário, também, desfazer outro equívoco: que Rivail tivesse sido maçom. Fazendo uma pesquisa na coleção da Revista Espírita,
1858-1869, conclui-se que apenas existiram, entre Denizard e a
Maçonaria, afinidades de princípios e ideais, sem jamais haver ele
ingressado em loja alguma. Acreditamos que nada modificaria, tanto para
mais como para menos, a pessoa do biografado se tivesse ele abraçado a
Maçonaria. É necessário, porém, eliminar os exageros para que a verdade
triunfe.
O PROFESSOR RIVAIL E SUAS OBRAS
Em Paris Rivail fundou um Instituto Técnico
na rua Sevres, 35, nos mesmos moldes daquele de Pestalozzi. No ano de
1824, Denizard, ou melhor, Professor Rivail, publica seu primeiro livro
que era dividido em volumes e tinha como título: Curso Prático e Teórico
de Aritmética. Além deste, o Prof. Rivail publicou, até o ano de 1849,
os seguintes livros: Plano para o Melhoramento da Instrução Pública; Gramática Clássica da Língua Francesa; Qual o Sistema de Estudos mais Adequado à Época?; Manual dos Exames para Certificado de Capacidade; Soluções Racionais de Perguntas e Problemas de Aritmética e Geometria; Catecismo Gramatical da Língua Francesa; Programa dos Cursos Ordinários de Química, Física, Astronomia e Fisiologia; Pontos para os Exames na Municipalidade e na Sorbone; Instruções Sobre as Dificuldades Ortográficas.
DENIZARD E O MAGNETISMO
Rivail tomou contato com o magnetismo no
ano de 1823, ou talvez mesmo um pouco antes; porém, foi em Paris que sua
curiosidade foi despertada para esta ciência, quando o marquês de
Puységur - juntamente com d'Eslon, professor e regente da Faculdade de
Medicina de Paris, mais o sábio e naturalista Deleuze -, deu novos rumos
a esta ciência através da modificação dos métodos de Mesmer, que
culminaram na descoberta do sonambulismo provocado. Denizard refere-se
elogiosamente a esses magnetistas franceses, ombreando-lhes outros
nomes, como o do barão Du Potet e o do Sr. Millet.
Rivail estudou criteriosamente essa
disciplina, tendo devorado grande número de obras favoráveis e
contrárias escritas por homens de evidência. Diz Anna Blackwell, no
prefácio à sua tradução inglesa de 'O Livro dos Espíritos',
que Rivail tomou parte ativa nos trabalhos da Sociedade de Magnetismo
de Paris, uma das mais importantes da França. Fez muitos amigos nessa
corrente de idéias, dentre eles o magnetizador Sr. Fortier.
AS MESAS GIRANTES
Contava Rivail 51 anos de idade em 1854
quando, através do Sr. Fortier, tomou conhecimento de certos fatos
Espíritas. Disse-lhe o interlocutor:
- 'Sabe o senhor da singular
propriedade que acabam de descobrir no magnetismo? Parece que não são
unicamente os indivíduos que se magnetizam, mas também as mesas, que
podem girar e andar à vontade.'
- 'É extraordinário, não há dúvida' -
respondeu Rivail. 'Mas em rigor é um fato que não parece radicalmente
impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode
muito bem atuar sobre os corpos inertes e fazê-los moverem-se.'
Informado, pouco tempo depois, pelo mesmo
Sr. Fortier, de que mesas magnetizadas - chamadas na época de 'mesas
girantes' -, podiam mover-se e que davam respostas quando inquiridas, a
atitude de Rivail foi de absoluta descrença:
- 'Isto é uma outra questão. Só
acreditarei vendo, e quando me provarem que a mesa tem cérebro para
pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula. Até lá,
permita-me que considere isso um conto para fazer-nos dormir em pé.'
Rivail aceitava a possibilidade do
movimento por uma força mecânica, mas, ignorando a causa e a lei do
fenômeno, parecia-lhe absurdo atribuir inteligência a uma coisa
puramente material. Estava ele na posição dos incrédulos desta nossa
época (2004), que negam porque apenas presenciam um fato que não
compreendem. Vivia-se numa época em que o fato era ainda inexplicado,
aparentemente contrário às leis da Natureza, o que sua razão lhe impedia
aceitar. Ainda não havia visto nem observado nada. As experiências
feitas na presença de pessoas de caráter e dignas de toda a confiança
lhe confirmavam a possibilidade do efeito puramente material, porém, a
idéia de uma mesa falante não lhe podia ainda fazer sentido.
O EPISÓDIO HYDESVILLE: PONTO DE PARTIDA DAS MESAS GIRANTES
As sessões com a 'mesa girante'
tiveram início nos Estados Unidos da América, com as célebres irmãs
Fox. Segundo Jorge Rizzini, os Fox eram originários do Canadá, pois os
Arquivos Históricos da Cidade de Nova Iorque (consultados por ele)
atestam que a médium Margareth Fox nascera em Bath, uma vila próxima da
cidade de Kingston, na província de Ontário, no dia 7 de outubro de
1833.
Vale a pena saber que Margareth, nessa
época, tinha a idade de 14 anos; Katerine, a caçula, 11 anos; e Leah,
que já lecionava piano em Rochester, era 23 anos mais velha que
Margareth. Não possuímos informações dos outros irmãos, apenas sabemos
que eram em seis, também canadenses, e que David era o único do sexo
masculino.
John D. Fox, o pai, era campesino e pastor
da Igreja Episcopal Metodista. Ele e sua família recém chegados do
Canadá desembarcaram em Hydesville, no Condado de Wayne, Estado de Nova
Iorque, no dia 11 de dezembro de 1847. John acomodou sua família em uma
casa de madeira humilde, praticamente idêntica a todas as outras da
região. A casa em que se instalaram não era bem vista pela população da
cidade. Diziam que era 'mal assombrada'. Inquilinos
anteriores haviam ouvido ruídos estranhos e visto móveis se moverem sem
nenhum contato humano; além disso, vultos também eram vistos.
Hannah Weeckman, ex-inquilina da casa, citada no livro 'História do Espiritismo' de Arthur Conan Doyle, deu o seguinte testemunho: 'Meu
marido, eu e a empregada nos levantamos imediatamente para ver o que se
passava. Ela sentou-se na cama em prantos e nós custamos a verificar o
que se passava. Disse ela que algo se movimentava acima de sua cabeça e
que sentia um frio sem saber o que era. Disse havê-lo sentido sobre ela
toda, mas que ficara mais alarmada ao senti-lo sobre o rosto.'
Lucretia Pulver, empregada do casal Bell que, em 1844, habitara a casa, deu também seu testemunho: 'A
Srta. Aurélia Losey ficou comigo naquela noite; ela também ouviu o
barulho e ambas ficamos muito assustadas; levantamo-nos, fechamos as
janelas e trancamos a porta. Parece que alguém andava pela despensa, na
adega, e até no porão, onde o barulho cessava.' Era esta a situação da casa, quando o pastor John D. Fox nela se instalou com sua família.
John atribuía os ruídos à madeira com a
qual a casa fora construída e aos ratos existentes na adega. Porém, na
noite do dia 31 de março, foram ouvidos ruídos com maior intensidade por
todos os lados da casa e, segundo a Sra. Fox, 'produziam um certo movimento nas camas e cadeiras, a ponto de notarmos quando deitadas'.
O pastor John Fox, acreditando que alguém estivesse brincando consigo,
saiu pé ante pé e examinou a casa pelo lado de fora e, depois,
intrigado, todos os compartimentos da casa. Nada encontrou; estava tudo
normal, porém, os ruídos, inclusive de passos, prosseguiam, e todos
puderam ouvir.
Naquela noite, Katerine, a filha mais nova,
desafiou a força invisível. Bateu um certo número de palmas. E soou na
parede de madeira, imitando-a, o mesmo número de pancadas. Quando ela
parou, o som logo parou. Então Margareth disse brincando: 'Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro'.
E bateu palmas. Então os ruídos se produziram como antes. Margareth
teve medo de repetir o ensaio. Então Katerine, ou Kate, como seus
familiares a chamavam, disse, na sua simplicidade infantil: 'Oh! Mamãe! Eu já sei o que é. Amanhã é o dia 1º de abril e alguém quer nos pregar uma peça!'
Estava, assim, estabelecida a telegrafia
espiritual. A Sra. Fox, ao lado do marido, pediu ao 'espírito batedor'
que dissesse a idade de cada um de seus filhos. O resultado do teste
espantou a todos. Batidas se fizeram ouvir de forma que, a cada
seqüência de batidas que correspondia a idade de cada um, era feita uma
pausa. Insistiu a Sra. Fox, perguntando se era um ser humano que
conversava com ela. O silêncio se fez angustiante. Perguntou se era um
Espírito, e fortes batidas se fizeram ouvir por toda a casa.
A Sra. Fox, continuou a perguntar: 'Se for o Espírito de um assassinado dê duas pancadas.'
Duas pancadas foram ouvidas. John Fox foi rápido chamar a Sra.
Redfield, sua vizinha, que fez um novo teste; perguntou que idade tinha
ela, e obteve do Espírito a resposta correta. Entrou na casa o casal
Duesler, e estabeleceu-se uma linguagem através de código, onde a letra A
correspondia a uma pancada, B a duas, e assim por diante.
O Espírito chamava-se Charles B. Rosma;
fora mascate; seu assassino chamava-se Bell, antigo morador daquela
casa; assassinara-o para lhe roubar quinhentos dólares com uma faca de
açougueiro, dando-lhe um golpe na garganta; o corpo fora levado à adega
e, na noite seguinte, enterrado ali mesmo.
Foi se formando à porta da casa dos Fox uma
fila de aproximadamente trezentas pessoas e o Espírito Charles Rosma
deu prova de sua presença. No dia seguinte, David Fox, acompanhado de
outras pessoas, fez as primeiras escavações, descobrindo ossos e
cabelos. Exatamente em 1904, portanto 56 anos depois, encontrou-se um
esqueleto humano ao lado de uma lata que pertencera ao mascate. Os fatos
vieram confirmar a estranha denúncia de um morto que, do outro lado da
vida, se utilizava de uma lei natural, desconhecida pelo homem, para
relatar uma ação criminosa de que fora vítima.
Disseram os Espíritos que esse fato era o
início de um movimento de caráter praticamente universal, para unir os
homens, convencer as mentes para a imortalidade da alma, despertar a
Humanidade para a vida espiritual.
Convém reconhecer aqui a envergadura moral
do casal Fox. Contrariados e perseguidos pela Igreja Metodista a que
pertenciam, preferiram de lá ser expulsos, a negar os fenômenos
espíritas. Eles não abdicaram da verdade de que foram testemunhas. Este
acontecimento repercutiria na Europa, despertando as consciências e, ao
lado dos fenômenos das 'mesas girantes', prepararia o advento do Espiritismo.
Agora, tendo estas informações, prossigamos.
RIVAIL E AS MESAS GIRANTES
Foi em 1855, conversando com Sr. Carlotti,
outro magnetista, que lhe falou outra vez, e com grande entusiasmo,
desses fenômenos, que Rivail sentiu idéias novas lhe despertarem na
mente. No entanto, o Sr. Carlotti era corso, de natureza ardente e
enérgica. Denizard apreciava nele as qualidades que distinguem uma
grande e bela alma, contudo, desconfiava de sua exaltação. Fora ele o
primeiro a falar-lhe da intervenção dos Espíritos, e contou-lhe tantas
coisas fantásticas que ao invés de convencer Rivail, aumentou-lhe as
dúvidas.
Um pouco mais de um ano se passara, era num
dia de maio de 1856, estava Rivail na casa da sonâmbula Sra. Roger com o
Sr. Fortier, seu magnetizador. Encontrou ali o Sr. Pâtier e a Sra.
Plainemaison, que lhe falaram sobre os fenômenos, desta vez sem
exaltação. O Sr. Partier era um funcionário público, homem de meia
idade, instruído, sério e calmo. Sua linguagem era pausada e isenta de
entusiasmos. Pois bem: foi o Sr. Partier que causou uma viva impressão
em Rivail que, convidado a assistir a uma das experiências realizadas na
casa da Sra. Plainemaison, à Rua Grange-Batelière, 18, aceitou
pressuroso. O encontro foi marcado para uma terça feira, às 20 horas.
Rivail assiste pela primeira vez, na casa da Sra. Planemaison, e testemunha o fenômeno das 'mesas girantes'
que saltavam e corriam, em condições tais que era impossível haver
dúvidas. Presenciou alguns ensaios, ainda bastante imperfeitos, da
escrita mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. Com as
idéias ainda indefinidas, Rivail raciocinava. Ali estava um fato que
devia ter uma causa. Entreviu debaixo daquela aparente futilidade e da
espécie de diversão dos que se utilizavam daqueles fenômenos algo sério,
como se fosse a revelação de uma nova lei. Prometeu a si mesmo que iria
investigar os fenômenos a fundo.
AS MÉDIUNS SRTAS. BAUDIN
Dentro de pouco tempo, surgiu uma
oportunidade de Rivail proceder a observações diretas: numa das reuniões
da Sra. Planemaison conheceu a família Baudin, que morava na Rua
Rochechouart. O Sr. Baudin convidou-o para ir assistir às sessões que se
realizavam semanalmente em sua casa. Aceitou, e tornou-se um
freqüentador assíduo das reuniões.
Eram as reuniões bem freqüentadas e, além
dos assistentes habituais, era admitido sem dificuldade quem quer que o
pedisse. Os dois médiuns utilizados eram as Srtas. Baudin, que escreviam
em uma ardósia com o auxílio de uma cesta chamada de 'cesta pião' ou 'cesta de bico'
([2]). Esse método exigia o concurso de duas pessoas para excluir
qualquer possibilidade de participação das idéias de cada um dos
médiuns. Foi assim, que Rivail, presenciou comunicações seguidas
constando de respostas dadas a questões propostas, e muitas vezes a
perguntas feitas mentalmente, que faziam perceber, de modo evidente, a
intervenção de uma inteligência estranha.
ZÉFIRO, O ESPÍRITO
A curiosidade e o entretenimento moviam os
assistentes. O Espírito que se manifestava dava o nome de Zéfiro, o que
estava bem de acordo com o seu caráter e o da reunião. Porém era um
Espírito muito bom, e declarava-se protetor da família Baudin. Muitas
vezes sabia fazer rir, outras vezes, dava bons conselhos e não perdia
oportunidade de se utilizar do dito mordaz e espirituoso. Rivail travou
com ele boas relações, dando-lhe constantemente provas de grande
simpatia. Zéfiro não era um Espírito muito adiantado, porém, assistido
mais tarde por Espíritos superiores, ajudou Rivail em suas primeiras
obras. Depois de dizer que ia reencarnar, nunca mais se ouviu falar
dele.
PRIMEIROS ESTUDOS SOBRE ESPIRITISMO
Foi ali, nas reuniões da casa da família
Baudin, que Rivail fez os primeiros estudos sérios sobre o Espiritismo,
mais pelas observações que pelas revelações. Aplicou a essa nova
ciência, como sempre fizera, o método da experimentação. Nunca se
utilizou de teorias preconcebidas. Observava, comparava e deduzia as
conseqüências. Era através dos efeitos que procurava se aproximar das
causas. Deduzia pelo encadeamento lógico dos fatos. Só admitia uma
conclusão como válida quando esta conseguia resolver todas as
dificuldades da questão - procedimento este que utilizou também em seus
trabalhos anteriores desde a idade de 24 anos.
Compreendeu Rivail, desde o início, a
importância da pesquisa que estava empreendendo. Enxergou naqueles
fenômenos a chave do problema do passado e do futuro da Humanidade, tão
confuso e controvertido - a solução do problema que havia buscado
durante toda a sua vida. Era preciso agir com prudência e não se deixar
levar por ilusões.
Um dos primeiros resultados de suas
observações foi descobrir que os Espíritos, nada mais sendo que as almas
dos homens, não possuíam nem a suprema sabedoria nem a suprema ciência.
Que seu saber era limitado ao grau de seu adiantamento e que sua
opinião só tinha o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade,
reconhecida desde o início, o livrou do grande perigo de acreditar em
sua infalibilidade, impedindo-o de formular teorias prematuras baseadas
no que dizia um ou no que diziam outros.
As sessões da casa do Sr. Baudin, que até
aquela data não tinham tido uma finalidade determinada, agora aconteciam
de forma organizada e útil; as frivolidades desapareceram. Rivail tomou
a seu cargo procurar resolver problemas interessantes sob o ponto de
vista da Filosofia, da Psicologia e da natureza do mundo invisível. A
cada sessão levava consigo perguntas preparadas e metodicamente
dispostas que eram sempre respondidas com precisão, profundidade e
lógica. Se acontecia de Rivail faltar a uma dessas sessões, as pessoas
ficavam sem saber o que fazer, pois as perguntas fúteis perderam seu
atrativo para a maioria dos freqüentadores.
COMEÇA A SURGIR O LIVRO DOS ESPÍRITOS
A princípio, Rivail só tinha em mente se
instruir. Porém mais tarde, quando viu que aquelas comunicações formavam
um conjunto e tomavam proporções de uma doutrina, teve a idéia de
publicá-las para que todos se instruíssem. Foram aquelas mesmas questões
que, desenvolvidas e completadas, constituíram a base do 'O Livro dos Espíritos'
.
DE RIVAIL A KARDEC
Em 1856, o professor Rivail recebe dos
Espíritos a revelação do trabalho que tem de desenvolver na Terra. E
assim surge o pseudônimo Allan Kardec, com o intuito separar das obras
pedagógicas escritas pelo professor Rivail, as obras da codificação que
eram feitas agora pelo Sr. Allan Kardec. O pseudônimo foi escolhido
porque correspondia a um nome que teria usado em uma encarnação
pregressa revelada por um Espírito que dizia conhecê-lo de remotas
existências, uma das quais passada no mesmo solo da França, onde a sua
individualidade tinha revestido a personalidade de um druida chamado
Allan Kardec.
INÍCIO DA ERA ESPÍRITA
A 18 de abril de 1857 raiou para a humanidade a 'Era Espírita', ao surgirem nas prateleiras das livrarias os primeiros volumes de 'O Livro dos Espíritos'.
Em 1° de janeiro de 1858 circula o primeiro número da 'Revue Espirite' (Revista Espírita), editada em Paris por Allan Kardec; no mesmo ano foi publicado o livro 'Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas', e, ainda nesse profícuo 1858, exatamente a 1° de abril, é fundada a 'Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas'.
Em 1859 surge o livro 'O que é o Espiritismo'. A 16 de setembro de 1860 A. Kardec publica a 'Carta sobre o Espiritismo', em resposta a um artigo publicado na 'Gazette de Lyon'. No mês de janeiro de 1861, Allan Kardec lança a público 'O Livro dos Médiuns'
e, ainda nesse ano, no dia 9 de outubro às 10:30 horas da manhã, em
Barcelona, Espanha, são queimados num auto de fé trezentos volumes e
brochuras sobre Espiritismo, entre eles 'O Livro dos Espíritos'.
Em fevereiro de 1862, Kardec publica 'O Espiritismo na sua Expressão mais Simples', e também neste mesmo ano, 'Viagem Espírita em 1862'.
Em 1864 são editadas as seguintes obras: 'Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas' ou 'Primeira Iniciação' e 'Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo', chamado posteriormente de 'O Evangelho Segundo o Espiritismo'.
No dia 1º de agosto de 1865 é publicado o livro 'O Céu e o Inferno', ou a 'Justiça Divina Segundo o Espiritismo'. No ano de 1866 surge a 'Coleção de Preces Espíritas', um extrato do livro 'O Evangelho Segundo o Espiritismo'.
Em 1867 vem a público 'Estudo a cerca da Poesia Medianímica' e, em 1868, Kardec lança 'A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo', e o livro 'Caracteres da Revelação Espírita'.
RETORNO A PATRIA ESPIRITUAL
Depois deste grandioso trabalho, no dia 31
de março de 1869, com 65 anos de idade, em Paris, vítima da ruptura de
um aneurisma, Allan Kardec retorna à Pátria Espiritual. Sua missão se
completa, no entanto, somente no ano de 1890, quando é editado o livro 'Obras Póstumas', reunindo os últimos escritos do grande Codificador.
BIBLIOGRAFIA
Allan Kardec - Zêus Wantuil e Francisco Thiesen - Edições FEB;
Vida e Obra de Allan Kardec - André Moreil, 1977 - Editora EDICEL
O Principiante Espírita - Júlio de Abreu Filho - Editora Pensamento
História do Espiritismo - Arthur Conan Doyle - Editora Pensamento
Kardec, Irmãs Fox e outros - Jorge Rizzini - Editora Eldorado Espírita de São Paulo
Grandes Vultos do Espiritismo - Paulo Alves de Godoy - Edições FEESP
Espiritismo Básico - Pedro Franco Barbosa - Edições FEB
Revista Informação N.35
Obras Póstumas - Allan Kardec - LAKE - Livraria Allan Kardec Editora
NOTAS:
([1]) Aqui existe um engano do biógrafo André Moreil, pois Allan Kardec, na 'Revista Espírita' de junho de 1862, rebatendo a um padre sobre o tema 'Os milhões do Sr. Allan Kardec',
diz o seguinte: '... jamais morei em Lyon e, pois, não vejo como lá me
tivessem conhecido pobre'; concluímos assim que partiu ele de Lyon ainda
criança para estudar em Yverdun, e quando voltou à França, foi direto
para Paris. É de se estranhar tal erro, pois Moreil faz esta referência
no mesmo livro (Vida e Obra de Allan Kardec) na página 53. Nota do Autor.
([2]) Cesta-pião ou cesta de bico,
pequena cesta à qual se ajusta um lápis para escrever. As médiuns, as
meninas Baudin, colocavam os dedos da mão nas bordas da cestinha e ela
se movia sobre uma lousa.
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